quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O Desmatamento e a Ocupação da Amazônia

"O governo age de forma esquizofrênica. Cinco dias depois de lançar um ambicioso fundo para captar recursos para a proteção da Amazônia, dá um passo atrás em direção à destruição", (Greenpeace 2008)

  • Primeiramente, se faz necessário entender alguns aspectos importantes relacionados à discussão de fronteira. Hennessy (1978) afirma que as sociedades latino-americanas estão ainda no estágio histórico de fronteira. 
Nesta etapa da história, as relações econômicas, sociais e políticas estão, de certo modo, marcadas pelo movimento da expansão demográfica e econômica sobre terras não-ocupadas ou ainda não completamente ocupadas.
  • Na América Latina, como já assinalou Foweraker (1982), a última grande fronteira é a Amazônia, em particular a Amazônia brasileira. As áreas de fronteiras no Brasil têm traços e processos de ocupação que as caracterizam e as diferenciam das outras áreas fora do território nacional.
A forma e a intensidade de manifestação desses processos e as feições predominantes no espaço, associadas ao tempo, dão individualidade a cada nova fronteira, de forma que elas sejam regiões homogêneas – dependendo da escala geográfica macrorregional, estadual, mesorregional, microrregional e municipal – mas também apresentem subespaços diferenciados que são reveladores da unidade da diversidade paisagística, social, econômica e cultural.1 (Brandão, 2007, p. 189-200).
  • Na fronteira, embora na prática a terra não esteja inteiramente disponível para o acesso a todos os imigrantes, a ideologia da “fronteira aberta” representa, no imaginário coletivo dos grupos sociais, daqueles indivíduos despossuídos de meios de produção, uma oportunidade para melhorar as suas condições de vida. (Velho, 1976, p. 100-106).
De qualquer modo, talvez por isso, a fronteira seja o “lócus” por excelência da terra aparentemente ilimitada. O propósito deste capítulo é discutir a teoria da fronteira e das instituições sociais como marco de referência para uma melhor compreensão do fenômeno do desmatamento florestal na Amazônia Paraense, decorrente do avanço da frente agropecuária capitalista ao lado da frente de agricultura itinerante de base familiar.
  • O desmatamento florestal à formação de pastagem plantada também tem sido gerador de conflitos sociais (entre fazendeiros e posseiros) e conflitos ambientais (entre empresas do setor agropecuário e de mineração contra os grupos de defesa do meio ambiente). Nos últimos anos, esses conflitos, em torno da questão do desmatamento florestal praticado por fazendeiros, atingiram um nível de tensão social muito elevado.
Como consequência disso, o problema do desmatamento florestal acabou entrando para a agenda do governo federal, que acaba por enfrentar os problemas econômicos, sociais e ambientais no país, por intermédio da criação de instituições regulatórias (leis e regulamentos), e pela ação normativa e mesmo coercitiva executada pelas instituições públicas para o estabelecimento da ordem social.
  • É a combinação das ações políticas e econômicas, operadas pelas instituições públicas, que permite a formulação de políticas públicas dirigidas com a perspectiva de solucionar os problemas sociais, econômicos e ambientais da agenda governamental. Essa interpenetração dos interesses políticos e econômicos é a chave para a compreensão das motivações e comportamentos dos atores no seio das instituições governamentais quanto à questão do desmatamento florestal numa zona de fronteira em pleno processo de avanço do capitalismo.
A identificação das causas do desmatamento florestal na Amazônia paraense perpassa necessariamente pelo entendimento do significado de fronteira, enquanto um processo de expansão de uma sociedade num território ainda não suficientemente ocupado do ponto de vista econômico. A palavra fronteira apresenta diversos significados. 
  • Por exemplo, no novo dicionário Aurélio, o termo fronteira é o feminino substanciado do adjetivo fronteira, logo fronteira é entendida como a extremidade de um país ou região do lado onde confina com outro; porém, o termo fronteira também significa os pontos limite de uma figura geométrica; ou, ainda, o conjunto de pontos extremos do contorno dos mapas representativos da escala dos territórios de um país e das suas unidades administrativas.
Clark (1967) lembra que dessas noções, a primeira tem forte conotação com o significado atribuído pelos geográficos que estudam a fronteira de uma determinada nação. Entretanto, um economista que procura investigar como agem na fronteira os grupos de interesses privados em suas reivindicações no interior do Estado, por certo se deparará com os limites estabelecidos pelas leis e regulamentos. 
  • A fronteira pode ser compreendida como sendo uma zona de ocupação de um território relativamente vazio em termos demográficos, onde as instituições públicas responsáveis pela manutenção da ordem jurídica, com vistas ao estabelecimento das “regras do jogo” para a funcionalidade das instituições privadas, têm uma atuação precária quanto ao exercício do cumprimento das leis no âmbito de uma sociedade democrática.
De acordo com Turner (1986, p. 30), a democracia norte-americana está fundamentada na experiência da fronteira ao Oeste. Para ela, o efeito mais importante da fronteira tem sido na promoção da democracia nos EUA e na Europa. Dessa forma, o individualismo da fronteira tem promovido desde o início a democracia norte-americana. 
  • Turner (1986, p. 18) chama atenção para a importância das “terras livres” no EUA, pois para ele, a existência de uma área de terra livre, sua recessão contínua, e o avanço do povoamento americano rumo ao Oeste explica o seu desenvolvimento.
No caso da Amazônia, percebe-se que o avanço da fronteira agropecuária vem se dando dentro da lógica da acumulação capitalista, porém, não se pode prescindir dos elementos institucionais que estão presentes em função dos interesses e conflitos que permeiam o processo de ocupação econômica numa região de fronteira

Na Amazônia Brasileira a principal atividade responsável 
pelo desmatamento é a pecuária.

  • O desmatamento na Amazônia brasileira tem como principais causas diretas a pecuária, a agricultura de larga escala e a agricultura de corte e queima. Dessas causas, a expansão da pecuária bovina é a mais importante. 
A remoção temporária ou parcial da floresta para a sua conversão em áreas de pastos e agrícolas associadas com a extração seletiva de madeira emite uma entre 0,6 e 0,9 (+/- 0,5) PgC.ano-1. Isso representa, segundo algumas recentes estimativas, de 15% a 35% da emissão global média de combustíveis fósseis na década de 1990 (Defries et al., 2002). De acordo com a FAO, a maior taxa de desmatamento ocorreu no Brasil, seguido da Índia, da Indonésia, do Sudão e da Zâmbia (Houghton, 2005). 
  • No Brasil, a maioria dos estudos já tem demonstrado que o desmatamento tem sido causado pela conversão de floresta, principalmente para pecuária, agricultura de corte e queima ou associada à exploração madeireira (Arima et al., 2005; Veríssimo et al., 1996; Ferreira et al., 2005).
O principal objetivo deste trabalho é analisar, com base nos dados dos municípios da Amazônia Legal brasileira, como evoluíram, nos anos recentes, as principais causas diretas do desmatamento. Isso foi feito utilizando-se uma série de regressões lineares múltiplas com dados em painel coletados valendo-se de fontes secundárias (IBGE, Ipeadata, INPE) para 782 municípios selecionados dos Estados da Amazônia Legal. 
  • Esse modelo econométrico simples permite avaliar a contribuição dos acordos principais dos usos do solo para o desmatamento de 2000 a 2006 e, consequentemente, estimar o impacto desses usos nas dinâmicas atuais e futuras da expansão do desmatamento. O trabalho também analisa o potencial de expansão da atividade pecuária associado às novas dinâmicas de demanda nacional e global e da organização da indústria de carne na Amazônia.
Nesse contexto, o presente capítulo tem como propósito discutir os significados de fronteira, instituições, mudanças institucionais e dos mecanismos de governança no processo de desenvolvimento de uma economia de mercado – ou, mais precisamente, do processo de desenvolvimento de uma economia de capitalismo tardio – tendo como pano de fundo a apropriação dos fundamentos teóricos (na forma de conceitos e construtos) que servirão de ajuda na interpretação dos “fatos”, representados pelos dados e informações disponíveis quando do tratamento dos capítulos empíricos.
  • O avanço da fronteira agropecuária na Amazônia vem se dando dentro da lógica da acumulação capitalista. Porém, apesar disso, não se pode prescindir dos elementos institucionais que estão presentes em função dos interesses e conflitos que permeiam o processo de ocupação econômica numa região de fronteira, principalmente para a região estudada: o Estado do Pará.
A discussão teórico-histórica deste capítulo tem como objetivo a busca de respostas para as seguintes questões: 
  • Qual o significado de fronteira? 
  • Qual a relação entre fronteira e a evolução das instituições nos processos de integração regional e de desenvolvimento econômico? E, 
  • Que modelos de ocupação, presentes no desenvolvimento da Amazônia, respondem mais pelo processo de desmatamento florestal no Estado do Pará?
Para dar conta dessa tarefa, o presente capítulo foi estruturado do seguinte modo. Primeiro, discutem-se os significados de fronteira numa perspectiva da teórico-histórica; segundo, discutem-se os fundamentos teóricos sobre as instituições a partir do enfoque da escola neo-institucionalistas; e, por fim, discute-se o papel das instituições governamentais e não governamentais responsáveis pelo avanço da fronteira econômica, numa região da periferia rica em recursos naturais através da expansão da frente pioneira agropecuária.

O desmatamento e seus modelos:
  • Kaimowitz e Angelsen (1998), em sua análise de 150 modelos do desmatamento de florestas tropicais, definem desmatamento como a "remoção completa e no longo prazo da cobertura de árvores". Essa é a definição de desmatamento que se usará neste artigo. 
O estudo das causas do desmatamento feito por Geist e Lambin (2001 e 2002) aponta que o que eles chamam de causas próximas do desmatamento está associado com os usos do solo e afeta diretamente o ambiente e a cobertura vegetal. Esses autores associam as causas próximas(chamadas aqui de causas diretas) do desmatamento em três categorias, a saber: expansão das pastagens e áreas agrícolas, extração de madeira e expansão da infraestrutura. 
  • Tais mudanças do uso do solo são dirigidas por processos econômicos que as sustentam. Essas causas mais profundas do processo de desmatamento são chamadas pelos autores de causas subjacentes e estão associadas com o crescimento dos mercados para os produtos que produzem a mudança de uso do solo, com a urbanização e com o crescimento populacional, com fatores estruturais, culturais e, finalmente, com políticas governamentais.
As causas subjacentes dos processos de desmatamento são pouco suscetíveis a uma análise quantitativa, visto que, em geral, modelos econométricos que mapeiam os usos do solo ou seus condicionantes mais imediatos (como crescimento populacional ou urbanização) tendem a ter pouca eficácia de análise, quando do mapeamento de processos mais complexos como o comportamento dos agentes e de suas decisões individuais; os impactos de expectativas e de políticas públicas, bem como aspectos mais difusos como aprendizado e cultura nas dinâmicas de expansão das atividades econômicas que são causas diretas do desmatamento.
  • Modelos que mapeiem consistentemente os atores, os processos decisórios e o ambiente institucional que produz as dinâmicas de expansão do desmatamento na Amazônia implicam uma ampliação do escopo de análise que comumente tem sido utilizado na maioria dos estudos sobre essa temática. Estudos econométricos, em geral, tentam associar os resultados dos processos de desmatamento com 
causas objetivas diretas mensuráveis (uma consequência óbvia da metodologia, claro), mas tendem a avançar pouco sobre as determinações das decisões dos atores (Kaimowitz e Angelsen, 1998, p. 5-6). Modelos que observem o comportamento dos atores num nível individual e também os dados numa abordagem regionalizada podem ser mais úteis para esclarecer consistentemente as dinâmicas associadas às causas subjacentes dos processos de desmatamento.
  • O reconhecimento dos problemas associados aos modelos comumente utilizados para a análise das causas do desmatamento não impede, porém, de lhes avaliar a validade. Um aspecto fundamental associado a esses modelos, quando se fala em causas diretas do desmatamento, é o de mapear estatisticamente o peso de cada tipo de uso do solo no processo. Nesse sentido, uma análise de vários estudos econométricos sobre as causas do desmatamento parece ser um bom ponto de partida para mapear os achados e os espaços ainda não analisados do problema.
Por meio da modelagem do processo de desmatamento, em um trabalho pioneiro, Reis e Margulis (1991) projetaram as emissões futuras de carbono da Amazônia Legal. O modelo desenvolvido pelos autores descreve a relação entre a densidade espacial das principais atividades econômicas e a fração da área desmatada, utilizando o efetivo bovino, a área de cultura agrícola (lavoura permanente e temporária), a densidade de população, as rodovias e a extração de madeira como variáveis. 
  • A variável área agrícola apresentou o maior valor para a elasticidade do desmatamento, seguida da população e da densidade de rodovias. Os autores trabalharam com modelos cross-section, relacionando o crescimento entre 1980 e 1985 à densidade da população; área agrícola, número de bovinos e extração madeireira em 1980 foram estimadas a fim de fazer as previsões dos padrões de crescimento de cada atividade no futuro.
A análise das interações entre os processos de desmatamento, ocupação agropecuária, urbanização e industrialização constitui a base do modelo de Reis (1996). Segundo esse modelo, as causas principais da ocupação econômica da Amazônia Legal são a expansão da malha rodoviária e o crescimento populacional, sendo a atividade agropecuária a principal causa imediata do processo de desmatamento, tendo o setor madeireiro papel secundário.
  • Já Andersen e Reis (1997) fizeram uma comparação entre crédito e abertura de estradas. No estudo, os autores afirmam que o impacto da abertura de estradas é muito pior que o do crédito, uma vez que causa grande desmatamento e pequeno aumento da produção. Contudo, o crédito agrícola, apesar de ser mais eficiente, é também muito menos equitativo, já que as estradas permitem o acesso dos pobres às terras da União. 
Os investimentos em infraestrutura e serviços atraem empreendedores, que, por sua vez, atraem migrantes, tendo como consequência o aumento da população e a demanda por serviços básicos e de infraestrutura, onde exige a presença do governo.
  • Young (1998), analisando os mecanismos que causaram o desmatamento na Amazônia Legal, nas décadas de 1970 e 1980, verificou uma relação positiva entre a variação da área agrícola e a variação no tempo dos preços agrícolas, da construção de rodovias, do preço da terra e dos créditos. Registrou, porém, uma relação negativa com o salário rural. Para Margulis (2001), os maiores preços agrícolas estimulam a busca por terras e, em consequência, o desmatamento.
Ferraz (2000) buscou analisar as causas da expansão agrícola e da pecuária entre 1980 e 1995 através de modelo de regressão múltipla, relacionando as variáveis dependentes (conversão de floresta em área agrícola e conversão de floresta em pecuária) com as variáveis explicativas de extensão de rodovias pavimentadas e não pavimentadas, crédito agrícola, preço de insumos, preço da produção. O autor argumenta que a expansão agrícola é determinada pelos aumentos de preço da terra, redução do salário rural, crédito rural e rodovias. 
  • Quanto à expansão da pecuária, os resultados do autor apontam para o crescimento da malha rodoviária como a causa principal. Segundo Margulis (2001), o preço da terra pode ter efeito dual, dependendo do seu uso, se para fins produtivos ou lucrativos. Portanto, menores preços da terra estimulam o desmatamento, quando usado para fins produtivos. Para o mesmo autor, o preço dos insumos pode também ter efeito dual no desmatamento, ou seja, um aumento deles causa uma diminuição da lucratividade da agricultura e, portanto, no desmatamento; por outro lado, força a substituição da produção intensiva pela extensiva, portanto mais desmatamento.
Para Margulis (2003), não seriam rodovias (ou estradas) por si mesmas que levariam ao desmatamento, mas sim a viabilidade financeira da pecuária. Os madeireiros e depois os pecuaristas as constroem se houver viabilidade. Segundo o autor, não há dúvida de que a redução dos custos de transportes propiciada pelos investimentos nos grandes eixos rodoviários tornou lucrativa a implantação de atividade agropecuária, que, anteriormente, era considerada inviável. Essa consideração sobre a importância da pecuária como motor do processo de desmatamento feita por Margulis é consistente com os números encontrados para a expansão e a participação dessa atividade no uso do solo na Amazônia.
  • É preciso também compreender o desmatamento como um processo que tem causas diretas associadas ao uso do solo, mas que também tem causas subjacentes ligadas ao ambiente institucional e às expectativas de rentabilidade dos investimentos dos agentes. Esse conjunto complexo de causas acaba por resultar em dinâmicas agregadas de larga escala que têm, muitas vezes, características comuns para toda a Amazônia Legal.

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