quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A Política Energética e os Fundos do Petróleo.

As distribuidoras de energia elétrica querem do governo a criação de uma espécie de “colchão financeiro” para evitar novas ameaças de crises.

Desde a criação da Petrobras em 1953, no Governo do presidente Getúlio Vargas, até as descobertas de petróleo na Bacia de Campos nos anos 1970 e o início da exploração nos anos 1980, a indústria de petróleo brasileira vem se destacando pela inovação tecnológica nos diversos setores da cadeia extrativa e ao mesmo tempo, na reprodução de empregos e renda, seja através do efeito multiplicador da renda decorrente dos maciços investimentos na cadeia produtiva, seja decorrente dos royalties e participações especias pagas aos estados e municípios.
  • Consequentemente, os royalties e participações especiais são uma importante fonte de receitas dos municípios fluminenses, em especial os da Bacia de Campos. Em alguns casos, estes valores superam 50% do PIB municipal. Segundo Pacheco (2005), esses recursos reverteram a “situação deficitária em que se encontravam esses municípios [da Bacia de Campos]”1 . Os principais receptores royalties e participações especiais no território nacional, e que compõe os Municípios do Petróleo do Estado do Rio de Janeiro, são: Campos dos Goytacazes, Carapebus, Macaé, Quissamã, São João da Barra, Armação de Búzios, Cabo Frio, Casimiro de Abreu e Rio das Ostras Os cinco primeiros, localizam-se na Região Norte Fluminense e, os seguintes, na Região da Baixada Litorânea. 
Como o petróleo dura em média entre 20 e 25 anos, o receio da “síndrome holandesa” como ocorrido em outros países no mundo, nos fez questionar o modelo de cobrança, fiscalização, recepção e utilização, das rendas minerais por estes municípios fluminenses. Acréscimos de rendas não significam desenvolvimento econômico e diversificação da economia. Grande parte dos Municípios do Petróleo, já passaram por situações semelhantes. 
  • A Região Norte Fluminense, onde se concentram a maior parte dos municípios de análise deste trabalho, começou a ser efetivamente ocupada no período colonial brasileiro do final do século XVIII. Tendo como epicentro Campos dos Goytacazes, a lavoura açucareira foi lentamente ocupando toda a região. No mesmo período, ocorre a transferência da capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, com a Coroa Real Portuguesa e seu séquito acompanhando a mudança. Com mercados e mercadores que viabilizaram a exportação de açúcar, a região consolidou o mais importante complexo agro-exportador açucareiro do Sudeste brasileiro do século XIX. 
A atividade açucareira foi marca registrada da região e agente motriz da economia até os primeiros anos da República. Os “Barões do Açúcar” de Campos, Quissamã e Macaé, dominavam a vida econômica, política, social e cultural da Província do Rio de Janeiro e depois da República, do Estado do Rio de Janeiro. Prova disso é que a primeira cidade brasileira (e da América do Sul) abastecida com luz elétrica foi Campos dos Goytacazes, em 1883 (PUC, 2002; Rio Virtual, 2005). O grande símbolo do poder e da importância da região no cenário nacional recebeu o nome de Nilo Peçanha. Governador, Vice-presidente e Presidente da República (1909-1910), Nilo Peçanha foi o exemplo de um passado de glória e poder na Região. 
  • O cenário canavieiro favorável a Região não gerou desenvolvimento social. Pelo contrário, promoveu um modelo de desenvolvimento das riquezas individuais, em prol de grupos econômicos específicos. A consequência disso, foi a manutenção de um modelo falido economicamente, baseada na antiga estrutura agrária, onde predominava a baixa produtividade associada à larga utilização do trabalho precatório – inclusive infantil e escravo –, a falta de investimentos, a falta de empregos formais e a degradação urbana. 
O desenvolvimento não ocorreu de forma sustentável. Portanto, com o fim da economia açucareira, a Região, ficou sem alternativas econômicas e a sociedade entrou em processo de degradação. O processo migratório aprofundou-se. Com a substituição do modelo agrário exportador canavieiro no cenário nacional,a Região Norte Fluminense, perdeu importância econômica e política. Conseqüentemente, níveis de renda e pobreza tornaram-se mais acentuados. 
  • Na década de 1980, com o advento do Pró-álcool, a região voltou a ter importância no cenário nacional. Novamente sua economia agrária foi impulsionada e houve uma revitalização da economia da região. Porém, o modelo econômico era o mesmo que persistia desde o século anterior. O fim do pró-álcool levou os níveis econômicos da região a níveis de pobreza que em alguns casos, eram ainda piores que os anteriores. Com a descoberta de petróleo na Bacia de Campos, a história apresentou outra oportunidade para a Região gerar um ciclo econômico capaz de tornar sustentável o desenvolvimento. 
As prefeituras passaram a contar com uma quantidade expressiva de recursos. Após 1997, a receita proveniente dos Royalties e Participações Especiais passou a superar 50% do PIB de alguns municípios da região. Os recursos do petróleo, nem sempre são bem administrados, de forma a fazer com que os retornos sejam proporcionais ao volume recebido. È difícil identificar com precisão as razões para este fenômeno ocorra, porém algumas hipóteses são: 
  • Prevalência de rent-seeking (oportunismo)3 e/ou concentração de poder político e econômico;
  • Ausência de contra pressões políticas; 
  • Incentivos anti-democráticos por parte da política internacional (ex: uma companhia de petróleo pode fazer negócios menos transparentes com governos ou pode pagar gratificações secretas impossíveis de serem rastreadas); 
  • Legislação, fiscalização e transparência inadequadas; 
Ineficiência na gestão dos recursos públicos, seja pelo lado da receita, seja pelo lado das despesas;
Este estudo procura tratar destas duas últimas hipóteses. Procura-se nessa dissertação analisar os modelos de cobrança, de fiscalização, de recepção (sejam diretas, sejam indiretas) e de utilização, das diversas formas de rendas minerais, sob o olhar teórico do Fundo Público, com o intuito de apontar problemas e propor alternativas para que o planejador público, de forma a utilizar os recursos energéticos de forma a promover o desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a dissertação foi dividida em cinco pontos, distribuídos em sete capítulos. 
  • No primeiro capítulo temos a introdução. No segundo capítulo, são apresentadas as experiências internacionais, os fundamentos, a concepção e as características centrais do Fundo Público. No terceiro capítulo, são apresentados aspectos ligados a regulamentação, as responsabilidades, as cotas de cada ente público, a fiscalização e a relação com o Fundo Público. No quarto capítulo, é apresentada a Bacia de Campos em três segmentos. 
O primeiro apresenta história, estrutura, importância econômica e apresentação da principal região de produção de petróleo do Estado do Rio de Janeiro. A segunda, explicita apresentações e análises de características. A terceira, apresenta as motivações para o agrupamento, importantes no decorrer do trabalho. No quinto capítulo, busca-se analisar as receitas dos Municípios do Petróleo, seja pelo aspecto exclusivo das rendas minerais, seja pelo aspecto das demais receitas. No sexto capítulo, busca-se analisar as despesas dos Municípios do Petróleo. No sétimo e último capítulo do trabalho, são apresentadas as conclusões.

"A energia eólica já é hoje a segunda fonte mais barata e a energia solar poderia sozinha abastecer toda a matriz brasileira se fossem concedidos os devidos incentivos" - Parque Eólico de Osório, RS.

Petróleo e desenvolvimento: 
Experiências internacionais e a síndrome holandesa
  • A experiência vivida pela maioria dos países exportadores de petróleo durante as últimas décadas conta uma história que difere das expectativas de desenvolvimento e progresso. Segundo Scheiber (2002), em grande parte dos países detentores de petróleo, dentre eles a Argélia, Angola, Congo, Equador, Gabão, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Peru, Qatar, Arábia Saudita e Trinidad e Tobago, o fracasso no impulso ao desenvolvimento fui muito severo, com valores reais de rendimento per capita alcançando níveis muitas vezes inferiores aos dos anos setenta e oitenta. Entre os anos de 1970 e 1983, os países pobres de recursos (sem petróleo) cresceram quatro vezes mais rapidamente que os países ricos em recursos (com petróleo) – apesar do fato de terem metade das poupanças. (Sachs, 1995) .
Os resultados negativos de desenvolvimento associados ao petróleo e a outros minerais são conhecidos como a “maldição dos recursos”. Essa expressão refere-se essencialmente à associação inversa entre o crescimento e a abundância de recursos naturais, especialmente minerais e petróleo. Como conseqüência adversa da indústria do petróleo, as atividades produtivas não-petrolíferas (como a indústria e a agricultura), são afetadas num fenômeno chamado de Doença Holandesa. 
  • A Doença Holandesa acontece quando uma alta do petróleo faz subir a taxa real de câmbio da moeda nacional, tornando a maioria das outras exportações não-competitivas. Simultaneamente, a Doença Holandesa persistente provoca um aumento rápido (por vezes distorcido), de serviços, transportes e construção, enquanto desencoraja o surgimento de novas atividades. Exportações agrícolas, atividade de mão-de-obra intensiva e de particular importância para os países mais pobres, são afetadas negativamente pela dinâmica econômica da exploração do petróleo. A pouca atenção para com os demais setores da economia nesses países, não só os tornam mais dependentes do petróleo, como também pode conduzir a sua economia a uma perda permanente de competitividade. 
Segundo Sachs (1995), os países dependentes do petróleo como principal item de exportação, possuem um desempenho pior do que outros países em vias de desenvolvimento, principalmente se levado em consideração seus fluxos de receitas, num fenômeno conhecido como “paradoxo da abundância”.
  • A Nigéria é um bom exemplo. Segundo o UN Integrated Regional Information Network (2002), o país possui reservas comprovadas de aproximadamente 30 bilhões de barris e ganhos acumulados em torno de U$ 340 bilhões. Segundo a mesma fonte, as receitas do petróleo representaram para o ano de 2001, 83% da renda governamental federal, mais de 95% das receitas de exportação e equivalente a 40% do PIB. Porém, segundo o relatório de Desenvolvimento Humano da ONU, no ano de 20045 mais de 70% da população vivia com menos de um dólar por dia, 43% não tinha acesso a saneamento básico nem água limpa e a mortalidade infantil está entre as mais altas do mundo. 
As rendas minerais na Nigéria são repartidas entre as três esferas: 48,5% para o governo federal; 24% para os estados e 20% para os governos locais, com os 7,5% restantes sendo direcionados para fundos especiais, sendo apenas um diretamente relacionado ao desenvolvimento. Segundo a Catholic Relief Services (2003, p.26), na Nigéria, “não existem regras fiscais para assegurar a sustentabilidade fiscal, ou a equidade entre gerações”. A percentagem de pessoas que vivem na pobreza aumentou de 28% em 1980, para 66% em 1996, e os rendimentos per capita, decaíram de U$ 800 (1980) para U$ 300 em 2002. (ONU, 2004)
  • Outro exemplo é o Gabão. Segundo o Economist Intelligence Unit (2003), o país é um dos mais ricos da África, com o PIB per capita de U$ 3.180 em 2000, e onde o setor do petrolífero representou 73% do PIB de 2002. O país, que possui uma população estimada de 1 milhão e 300 mil habitantes, ocupava em 2002, o 117º lugar entre 173 países do ranking do índice de desenvolvimento humano (ONU, 2004). Porém, segundo a Catholic Relief Services (2003, p.28), a produção de petróleo no Gabão encontra-se em declínio. 
“A não ser que haja novas descobertas, o Gabão poderá em breve ser o desafortunado pioneiro na busca por um futuro viável pós-petróleo. De acordo com informações do Ministério das Finanças no final de 2002, a produção tinha diminuído um terço e as receitas governamentais metade nos últimos cinco anos.”
Segundo o FMI (2002), a produção de petróleo no Gabão deve voltar a diminuir a metade em 2006, chamando atenção para o movimento de desinteresse das grandes companhias de petróleo que estão se retirando do país (em busca de petróleo em outros locais), sendo substituído, porém em escala reduzida, por companhias menores e independentes, dispostas a desenvolver campos reduzidos. Segundo Pourtier (1989), o Gabão sofre da doença holandesa: com exceção da exploração de recursos de silvicultura e o setor mineiro em declínio, toda a atividade está concentrada nos centros urbanos; a produção de comida é irrelevante e anti-econômica, tendo sido praticamente extinta após a descoberta de petróleo; o governo perdeu o controle de suas despesas e não consegue negociar suas dívidas externas; e, o país depende completamente da importação de produtos, bens de consumo e equipamentos para a sua manutenção. Somado aos aspectos apontados por Pourtier (1989) para o Gabão, existe um acrescido pela Catholic Relief Services (2003): a corrupção. 
“É difícil seguir o rastro de como os dinheiros do petróleo foram gastos – até mesmo para instituições financeiras internacionais. O Gabão foi o epicentro de uma seqüência de escândalos associados a Elf Aquitaine ao longo dos anos noventa, incluindo alegações de negócios secretos de petróleo e o uso dos seus bancos para lavagem de muito dinheiro, associado ao financiamento de políticos e de partidos franceses. (...) Há relutância do governo em apresentar ao FMI dados chaves sobre a indústria do petróleo. Enquanto isso, as leis que visam a aplicação mais cuidadosa dos petro-dólares não são obedecidas. Em 1998, por exemplo, foi criado o Fundo para Gerações Futuras, para captar 10% das receitas do petróleo orçamentadas e 50% das receitas de lucros inesperados, para uso futuro. Mas nunca foi feito qualquer depósito.”
Porém, a economia do petróleo não apresenta apenas exemplos negativos. A Noruega prova que as altas nos recursos do petróleo também podem ser benéficas. Segundo dados oficiais da Embaixada da Noruega no Brasil (2006), o país possuía em 2002, aproximadamente 50% das reservas de petróleo e gás ainda existentes na Europa Ocidental, tendo exportado em média 3,1 milhões de barris por dia – o terceiro maior exportador de petróleo bruto no mundo –, e 11% do consumo europeu de gás, o quarto maior exportador de gás do mundo. No mesmo ano, o petróleo bruto e gás natural, representaram, aproximadamente 44% do total do valor das exportações norueguesas e 19% da cota-parte no PIB. 
  • A fim de impedir que as receitas do petróleo tenham um impacto negativo na economia do país, o parlamento norueguês criou, em 1990, o Fundo do Petróleo do Governo Norueguês. O objetivo do fundo é investir partes dos lucros gerados pela extração do petróleo norueguês – sobretudo através dos impostos pagos pelas companhias petrolíferas e pelas licenças de exploração. No primeiro trimestre de 2005, segundo a Embaixada Norueguesa (2006), o valor do fundo era de cerca de 1 trilhão de coroas norueguesas, o correspondente a 170 milhões de dólares.
Os recursos do petróleo capturados pelo governo norueguês, foram utilizados para que o país, de um dos mais pobres do mundo até a descoberta de petróleo em 1969, tornar-se um dos primeiros países no índice de desenvolvimento humano (IDH)10, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (2006). A experiência norueguesa tem sido expandida para outros países no mundo. 

Pequenos negócios deveriam ter tratamento diferenciado na política energética nacional